Marcelo Rodrigues de Alencar é, além de um Mestre Disney Nacional dos mais competentes, um "expert" em quadrinhos de todos os tipos. Além disso é uma pessoa simpaticíssima e um grande amigo. Ao entrevistá-lo afim de elaborar sua biografia, constatamos que a entrevista em si, já era uma peça digna de figurar aqui, de forma que os interessados possam captar as informações diretamente dele, com as nuances de suas respostas.
Portanto, aqui está:
- Onde você nasceu?
Na Santa Casa de Misericórdia de Jacutinga, estância hidromineral do sul de Minas Gerais. Desde os anos 1970, a cidade se especializou na produção e no comércio de malhas. E, pra quem não sabe, vem de lá a água Bonafonte da Danone (podem conferir no rótulo). Eh, eh! Também morei em Ribeirão Preto, Bauru e Jundiaí. Mas me estabilizei na capital paulista.
- Quando você nasceu?
Em 12 de outubro de 1966. Sim, no Dia das Crianças!
- Qual é sua formação?
Sou diplomado em Comunicação Social com especialização em Jornalismo pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAM), onde estudei de 1984 a 1987. Estou ensaiando um retorno aos meios acadêmicos, pois pretendo me pós-graduar em Quadrinhos pela ECA-USP. Mas, por enquanto, isso não passa de um sonho.
- Quando e por quem foi "apresentado" às revistas em quadrinhos?
Minha convivência com as HQs é muito antiga. Apressei minha alfabetização porque queria saber o que estava escrito naqueles balõezinhos de texto. Acho que leio desde os meus 4 anos e meio. Ninguém me apresentou oficialmente as revistas em quadrinhos, mas elas sempre abundaram (adoro essa palavra) nas casas de meus familiares. Meu pai comprava muito gibi, além de revistas de informação, livros e fascículos enciclopédicos. E minha avó paterna também tinha uma porção de revistinhas no porão. Como eu sabia onde encontrá-las, não fazia cerimônia: ia direto até elas, sem pedir pra ninguém. Quando a família viu que minha paixão era coisa séria, todo mundo começou a me presentear com gibis (para ler, naturalmente), lápis de cor e canetinhas (para desenhar).
- Quais revistas em quadrinhos leu quando criança?
Principalmente Tio Patinhas, Pato Donald, Mickey, Disney Especial e Almanaque Disney. Nunca tive muita simpatia pelo Zé Carioca, exceto pelas aventuras desenhadas por Renato Canini (essas eu devorava). Mônica e Cebolinha, Recruta Zero, Brucutu, Fantasma, Mandrake, Luluzinha, Bolinha, Gasparzinho, Brasinha e A Turma do Pererê (da Abril, não as edições originais de O Cruzeiro) também fizeram parte de minha infância. E, da pré-adolescência, MAD, Asterix e Lucky Luke.
- Quando e onde começou a trabalhar com HQs?
Em 1983, no Jornal da Cidade de Jundiaí, como cartunista, caricaturista e ilustrador. Dali para os quadrinhos foi um pulinho. No ano seguinte, já na faculdade, comecei a publicar uma tirinha de minha autoria (intitulada Classe Média, baseada no cotidiano de minha família) em jornais de empresas e do interior. Mas o primeiro emprego "sério" na área foi de 1988 a 1998, na Editora Abril. Comecei editando os chamados quadrinhos adultos (graphic novels, Groo, Spirit, Classics Illustrated etc.), depois editei livros infanto-juvenis (cheguei a escrever dois, com os personagens da TV Colosso, programa infantil da Rede Globo) e, promovido a editor-chefe, cuidei de revistas de informação e de atividades (além dos quadrinhos da Barbie, do Menino Maluquinho, do Pica-Pau e toda a linha Disney publicada em espanhol pela América Latina afora, numa "joint" da Abril com um grupo colombiano). Desde 1990, traduzo HQs Disney em regime de "free-lance" para a Abril. Entre 1989 e 1992 (ou 1993), fiz resenhas de quadrinhos para o Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo. E, desde o início da década de 1990, organizei várias oficinas de quadrinhos em lugares diversos e por entidades variadas (Universidade Metodista de São Bernardo, FAAP, Prefeitura de Peruí¬be, Secretaria da Cultura do Estado, Fundação Cassiano Ricardo de São José dos Campos, Fundação para o Desenvolvimento da Educação etc.).
- Quais suas principais realizações nessa área?
Além do que mencionei na resposta anterior, me orgulho de ter traduzido toda a coleção O Melhor da Disney - As Obras Completas de Carl Barks (para a qual também escrevi os ensaios que antecedem as historinhas). E publiquei, na Dragon Magazine, algumas HQs curtas que faturaram o Prêmio Abril de Jornalismo (assinadas por Kipper e Rogério Vilela, por exemplo). Também tenho em casa uns seis ou sete troféus HQ Mix, conquistados em meus tempos de editor na Abril. Expus uma HQ no Salão de Humor de Piracicaba (com desenhos de André Vazzios), outra na 1ª Bienal de Humor - Sem AIDS, com Amor (acho que é esse o nome da mostra; os desenhos foram feitos pelo Sérgio Furlani, o popular Pardal, ex-Abril) e publiquei uma historinha no gibi espanhol La Piedra Gorda (nesse caso, fiz o roteiro e o traço). Por fim, me tornei, em 2010/2011, o principal mediador do programa Sábados da Memória das Artes Gráficas, da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, pelo qual entrevistei, entre outros: Ziraldo, Laerte, Angeli, Paulo Caruso, Lourenço Mutarelli, Luiz Gê, Jal Oliveira, Getúlio Delphin...
- Quais foram suas influências em HQs? Quais autores, desenhistas, etc.?
Pra mim, os maiores criadores de HQs de todos os tempos são Carl Barks (tenho praticamente tudo dele, inclusive algumas litografias assinadas, além de livros que compunham sua biblioteca pessoal), Will Eisner (com quem tive boas conversas por fax na época em que editei No Coração da Tempestade, uma graphic novel autobiográfica) e Robert Crumb (de quem tenho quatro autógrafos). Também admiro René Goscinny, o roteirista de Asterix; Alan Moore, o escritor de Watchmen; Alex Raymond, o autor de Flash Gordon; George McManus, o criador de Pafúncio e Marocas; e Hal Foster, o pai do Príncipe Valente. John Stanley (Luluzinha), Walt Kelly (Pogo) e Harvey Kurtzman (MAD) também merecem menção. Além de Moebius (O Incal), Tanino Liberatore (Ranxerox)... Quac! A lista é imensa! Milo Manara (O Clic), Art Spiegelman (Maus)...
Dos autores disneyanos, que considero uma categoria à parte (porque estão acima do bem e do mal), fora Barks, também curto Floyd Gottfredson, Paul Murry, Tony Strobl, Giorgio Cavazzano, Daniel Branca, Vicar, Daan Jippes, Al Taliaferro, Al Hubbard, Jack Bradbury, William Van Horn, Renato Canini (que tive o privilégio de entrevistar no ano passado, pelos Sábados da Memória das Artes Gráficas), Primaggio Mantovi (idem), Euclides Miyaura e Júlio de Andrade Filho, que considero uma espécie de mentor.
- Com qual personagem gosta mais de trabalhar, ou se identifica mais?
Os patos Disney, sem dúvida. Tenho especial predileção pelo Peninha, com o qual me identifico por completo (somos ambos jornalistas, distraídos, contemporâneos, meio relaxados, algo bichos-grilos, desenhistas de quadrinhos, ganhamos uma merreca...). Também adoro o material da série Pateta Faz História e o Mickey do Gottfredson.
- E por fim... o que está fazendo atualmente em termos de HQs?
Nunca parei de traduzir. Recentemente, passei pro português a nova versão da História e Glória da Dinastia Pato, a graphic novel Epic Mickey e vários números da série Clássicos da Literatura Disney. Continuo me dedicando à minha coleção de quadrinhos. Entre minhas novas aquisições vale citar um "sketch" do Donald assinado pelo Daan Jippes e duas meias-páginas do mesmo personagem desenhadas pelo falecido Daniel Branca. Tenho, ainda, um esboço do Tio Patinhas feito por Carl Barks, alguns rascunhos do Willian Van Horn, A Saga do Tio Patinhas em inglês autografada por Don Rosa e um livrão do Mickey assinado por Floyd Gottfredson. Ah, quero pendurar logo na parede uma litografia (assinada, é claro) de Giorgio Cavazzano. E agora, graças ao InD.U.C.K.S. e ao Mercado Livre, estou preenchendo algumas lacunas da coleção de gibis nacionais. Atualmente, presido a comissão organizadora do Troféu HQ Mix (biênio 2011/2012) e faço parte do conselho do Museu de Artes Gráficas. E, sempre que posso, dou um jeito de incluir quadrinhos nos livros educativos que edito na Fundação Padre Anchieta. Por exemplo: estou publicando uma coleção de cartilhas para a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. Trata-se de um material destinado a pequenos empreendedores que tomam empréstimos do Banco do Povo Paulista, outra iniciativa do governo do estado. Pois não é que consegui inserir 4 páginas de quadrinhos em cada uma das oito cartilhas? Os roteiros são do Júlio de Andrade Filho e os desenhos, do Estúdio Pingados (formado pelos ecléticos Beto Uechi, Gil Tokio e Leandro Robles).
Para fins de registro: essa entrevista foi concedida no outono de 2011.
Abraços gerais!!! (expressão cunhada por Marcelo Alencar)
Texto e Pesquisa: Cesar Brito
Colecionador e Gibólogo